Gilles Deleuze
por Enrique Landgrave
... linhas de fuga - devir - imanência - repetição - singularidade - corpo sem órgãos - sentido - plano - multiplicidades - diferença - sensações - arte - máquinas desejantes - intensidades - máquinas de guerra fluxos - rizoma - abecedário - hecceidades - escrileituras - educação - vida - literatura - performance ...

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Excertos de Clarice Lispector


Dá-me a tua mão
"Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio".
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"...Quanto a mim tenho que lhes dizer que as estrelas são os olhos de Deus vigiando para que tudo corra bem. Para sempre... E, como se sabe...para sempre não acaba nunca ..."
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O milagre das folhas
"Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhões de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo. Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza."
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"A prova de que estou recuperando a saúde mental, é que estou cada minuto mais permissiva: eu me permito mais liberdade e mais experiências. E aceito o acaso. Anseio pelo que ainda não experimentei. Maior espaço psíquico. Estou felizmente mais doida".
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"Eram algumas rosas perfeitas, várias no mesmo talo.Em algum momento tinham trepado com ligeira avidez, umas sobre as outras mas depois, o jogo feito, haviam se imobilizado tranquilas. Eram algumas rosas perfeitas na sua miudez,não de todo desabrochadase o tom rosa era quase branco.Parecem até artificiais! Disse com surpresa. Poderiam dar a impressão de brancas se estivessem totalmente abertas mas, com as pétalas centrais enrodilhadas em botão, a cor se concentrava e como num lóbulo de orelha, sentia-se o rubor circular dentro delas. Como são lindas, pensou Laura surpreendida. Mas, sem saber por que, estava um pouco constrangida, um pouco perturbada. Oh, nada demais, apenas acontecia que a beleza extrema incomodava."
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"Não quero tera terrível limitaçãode quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada."
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"A percepção de que o tempo está passando é, ao mesmo tempo, maravilhosa e assustadora. O devir causa-me a angustiosa pretensão de fazer com que a vida adquira um sentido sempre interessante...
Mas é a vida em si tão absurda e tão intensamente inacreditável que me inquieta! A vida que teima em surgir em vários espaços... a vida que teima em renascer continuamente... a vida que se afirma contra a força da destruição e da morte...a vida que também pulsa em mim!"
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“E eis que sinto que em breve nos separaremos. Minha verdade espantada é que eu sempre estive só de ti e não sabia. Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quanto a mim assumo minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio.
Guardo o seu nome em segredo. Preciso de segredos para viver.”
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"Se...o mundo não fosse humano, também haveria lugar para mim: eu seria uma mancha difusa de instintos, doçuras e ferocidades, uma trêmula irradiação de paz e luta."
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"As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito."
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“...Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. E trata-se de um cavalo negro e lustroso que apesar de inteiramente selvagem – pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem selas – apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo...”
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"Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o que, mas sei que o universo jamais começou". (Clarisse Lispector - A hora da estrela)
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"Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas, minhas tristezas são absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos".
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"Já entrei contigo em comunicação tão forte que deixei de existir sendo. Tu tornaste um eu. É tão difícil falar e dizer coisas que nunca podem ser ditas. É tão silencioso. Como traduzir o silêncio do encontro real, entre nós dois? Dificílimo contar: olhei para você fixamente por uns instantes. Tais momentos são meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isso de estado agudo de felicidade."
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"Dentro de mim morreram muitos tigres. Mas os que sobreviveram estão livres."
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"Não posso escrever enquanto estou ansiosa ou espero soluções porque em tais períodos faço tudo para que as horas passem: e escrever é prolongar o tempo, é dividi-lo em partículas de segundos, dando a cada uma delas uma vida insubstituível."
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"Meu tema é o instante? Meu tema de vida. Procuro estar a par dele, divido-me milhares de vezes em tantas vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários os momentos - só me comprometo com vida que nasça com o tempo e com ele cresça: só no tempo há espaço para mim".
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“É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.”
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 "Que minha solidão me sirva de companhia. que eu tenha a coragem de me enfrentar. que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo."

"...há impossibilidade de ser além do que se é -no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio, sou mais do que eu, quase normalmente - tenho um corpo e tudo que eu fizer é continuação de meu começo...a única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais...."
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A lucidez perigosa
"Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? Assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço. Além do que: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano - já me aconteceu antes. Pois sei que - em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade - essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém".
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"Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever."
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"Oh Deus, eu que faço concorrência a mim mesma. Me detesto. Felizmente os outros gostam de mim. É uma tranqüilidade."
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"O cacto é cheio de raiva com os dedos todos retorcidos e é impossível acarinhá-lo. Ele te odeia em cada espinho espetado porque dói-lhe no corpo esse mesmo espinho cuja primeira espetada foi na sua própria grossa carne. Mas pode-se cortá-lo em pedaços e chupar-lhe a áspera seiva: leite de mãe severa."
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"Isto não é um lamento. É um grito de ave de rapina, irisada e intranqüila."
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"Não é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus."
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"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."
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"Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos"!
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"Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos".
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"Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos!"
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"A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda.Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo.Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca o seu perfume. Violeta diz levezas que não se podem dizer".
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"Aceitar-me plenamente? É uma violentação de minha vida. Cada mudança, cada projeto novo causa espanto:meu coração está espantado. É por isso que toda minha palavra tem um coração onde circula sangue." (Um sopro de vida, Clarice Lispector)
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"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."
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"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: Quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."
Clarice Lispector

Fonte: Excertos enviados por e-mail por Patrícia Dalarosa

1 comentários:

Mila Pires disse...

Oi Tania!
Nesses dias...estou meio Clarice...e coincidentemente tu partilhaste aqui um pouco dela!Interessante esse mover da vida...sintonia?Muito bom mesmo...
Obrigada...
Abraços...com carinho...Mila.

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