Gilles Deleuze
por Enrique Landgrave
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Tudo o que eu não invento é falso

Cristina Bischoff
Foi por isso que eu cheguei aqui. Pra me inventar de novo. Porque eu mudei muito. Passei por várias mudanças físicas, espaciais e emocionais em pouco tempo. Cabelo, cidade, casa. Muita coisa mudou e eu me desconheço. E me paralisa a dificuldade de escrever sobre quem eu sou agora. Estou entre dois lugares procurando identidades que me façam sentir em casa, no meu próprio corpo. De novo, eu. Então eu roubo a autoria dos textos de outros pra dizer que são meus. Outros autores falam de mim mais do que eu possa expressar. Dizem, escrevem o que eu gostaria de ter escrito. Assim com Pierre Menard, cuja grande obra impossível é recriação do Quixote, palavra por palavra criada. Assinar o mesmo texto,  ainda assim,  diferente;  hoje mais rico, mais complexo a medida que o tempo o corrompe.
***
Pierre Menard
Balançou a cabeça confuso. Reinventou o que já haviam inventado. Releu a sua trajetória de leitor solitário. Cervantes roubou-lhe o texto antes que pudesse escrevê-lo.  Derrubado pela força de sua obra, tornou-se fraco e aniquilado.  - Já nasci aniquilado, pensou, -  sob o peso de uma cultura que me faz viver de cópias, como se fôssemos cópias de algo sempre maior do que nós mesmos. Olhou para o seu colega ao lado. Gostaria de dizer o que ainda não foi dito, o verdadeiro nome de deus,  o impronunciável. Mas como falar o impronunciável que está aqui?


***
O Rebelde
                                                Cristina Bischoff

A mãe apertou as bochechas do menino até conseguir que abrisse a boca o suficiente para fazer entrar a colher cheia de arroz, feijão, carne e farinha, tudo misturado. Acriança, imobilizada, parou de resistir e se pôs a mastigar e engolir antes que se deixasse engasgar pela quantidade enorme de comida.

Desde que podia recordar-se, a mãe suscitara-lhe, por meio de gestos e palavras cotidianos, que sua vida era uma guerra e que ele, com certeza, era um rebelde que só se renderia quando subjugado pela força bruta a lhe tolher os atos. Sua resistência recrudescia a cada dia. A cada prato, batiam-se em uma nova batalha. Enquanto ele cedia ao fim, por comer um pouco. A mãe, por sua vez cedia ao se afastar dele pelo resto da tarde, com medo de perder o controle instável de seus nervos.

Enquanto longe da mãe, um apetite violento rugia em seu estômago. A fome, porém, não era a conseqüência maior, mas, sim, a voracidade de seus instintos de defesa, de revolta contra sua condição vulnerável em um mundo de gigantes.

Dessa circunstancia particular, foi sendo projetada uma espécie de caráter político em sua formação. Anarquista, seu ensejo pela contracultura veio a ser, não apenas a manifestação de sua crítica social, mas, sobretudo, fruto do inconformismo que lhe corria nas veias toda vez que algum discurso dogmático se impusesse a dirigir-lhe a vida. De um regime alimentar forçado, veio, ele, a criticar as idéias de todo e qualquer regime que lhe quisessem enfiar goela abaixo. 

Ainda hoje, carrega com desgosto a necessidade que tem de se alimentar. Magro, quase raquítico e com a barba crescendo desordenada, este personagem nos deixa indecisos quanto a ser a figura utópica de um Dom Quixote ou, talvez, a de uma criança, ainda agarrada às saias da mãe, a ponto de que, mesmo esta finada há alguns anos, sinta por meio do fomento à rebeldia, uma forma eficaz de mantê-la sempre consigo.   


GOELA ABAIXO
Cristina Bischoff

Colher cheia de cacos de vidro
Bolo alimentar cheio de pontas agudas
Que escorregam lentamente pelo exôfago
A garganta vermelha
Profunda irritada
Violência e sexo
A ardência interior do artista
Espetos que explodem na boca

1 comentários:

Ode a Psicodelia disse...

Achei interessante essa parte: "Estou entre dois lugares procurando identidades que me façam sentir em casa, no meu próprio corpo." Daí a gente pergunta quem é o ser humano... Se adentrar profundamente no que está sendo dito nessa pequena frase, nós somos apenas uma imitação do exterior. Pertencer para ser. Parece filosófico, mas eu não consigo ler nada sem refletir. A partir da identificação com o exterior, eu me conheço. Como limitados nós seres humanos somos.

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