Gilles Deleuze
por Enrique Landgrave
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Gilles Deleuze: O que é o ato de criação? Tradução e Legendas de Rodrigo Lucheta


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Filosofia e literatura: “Fahrenheit 451”, o pensamento sem imagem e a crítica à filosofia da representação

                                                                                                                  Por Raony Francisco Moraes

 Um livro. Ocorre às vezes que um livro permite que nele se adentre por pórticos secretos, insuspeitos, originais, de acordo com um certo rizoma que permite ao livro estabelecer uma relação com o Fora que o circunda; daí que uma máquina[1] literária pode então agenciar com outra máquina, filosófica ou científica[2]. Em Fahrenheit 451 (1953), Bradbury propicia um tal agenciamento maquínico, e em razão das ressonâncias que podem ser percebidas em sua obra, faz delinear-se uma nova imagem do pensamento (ou pensamento sem imagem). Segundo Deleuze, a filosofia “deve criar os modos de pensar, toda uma nova concepção do pensar” (DELEUZE, 2006, p. 178), e desta constatação retira-se a necessidade de uma crítica à representação, isto é, à “imagem moral e dogmática do pensamento”. Crítica que se verá no terceiro capítulo (intitulado, justamente, A imagem do pensamento) de Diferença e repetição (1968).

      Perguntar-se-á de que modo um livro como esse contribuiria a uma crítica à representação; afinal, trata-se aqui de uma exposição pautada na experiência de leitura de uma obra ficcional: uma distopia. Ora, sabe-se muito bem que Deleuze jamais negou a participação – não meramente ilustrativa - da não-filosofia no pensamento filosófico (não é por acaso que encontraremos, na leitura dos livros de Deleuze, um sem número de referências, explícitas ou implícitas, a artistas de todo os gêneros). Para o filósofo é imprescindível que a filosofia e a não-filosofia conversem. Aqui, trata-se justamente de fazer falar, no seio da filosofia, a não-filosofia sem a qual a filosofia não poderia pensar suas questões, propor seus problemas (o percepto e o afeto do conceito). O que implica, também, que a própria filosofia fale (por sua própria conta). Trata-se, afinal, de falar de literatura, mas de falar de literatura filosoficamente, isto é, do ponto de vista da filosofia.

      Clarisse McClellan desempenha o papel daquela entidade diabólica sem a qual o pensamento não seria possível, como a serpente o fora para Eva no Éden. Ela afirma o para-além dos limites do macro e microcosmo harmonioso, perfeito e feliz em que Montag, o nosso protagonista, está inserido: a pura exterioridade onde o pensamento encontra sua possibilidade. Portanto, quando ela apresenta-se como “doida” (BRADBURY, 2009, p. 20), não é de loucura que ela está a falar, ou pelo menos não é só de loucura. Aí, então, lançamos a pergunta: diabólica em que sentido? Não basta apenas dizer que ela seria aquilo que nos força a pensar, como se disso pudéssemos extrair, intuitivamente, todas as consequências. Clarisse é diabólica no sentido de quando dizemos “isto perturba a tranqüilidade de minha alma”. Quem, senão o Diabo e seus demônios lançar-nos-ia à dura e exasperante experiência da desreferencialização? Pois, sem dúvida, é exasperador quando nossas verdades, aquelas verdades essenciais que alicerçam nossa existência, desmoronam. Quando Clarisse pergunta a Montag se ele é feliz, responde ele, tão rapidamente quanto possível, que sim: “claro que sou feliz. O que ela pensa? Que não sou?” (BRADBURY, 2009, p. 24). Mas depois, ao chegar a sua casa, se dá conta de que, de fato, não era feliz e que sua felicidade era uma aparência, um verniz, uma frágil máscara que fora-lhe arrancada:
Não estava feliz. Não estava feliz. Disse as palavras a si mesmo. Admitiu que este era o verdadeiro estado de coisas. Usava sua felicidade como uma máscara e a garota fugira com ela pelo gramado e não havia como ir bater à sua porta para pedi-la de volta.” (BRADBURY, 2009, p. 26)
      Diz-se frequentemente que o Diabo vê para além das aparências, chegando à mentira que se encontra - como é de se esperar - no centro das verdades mais fundamentais do homem. Não se pode enganar o Diabo! O caso de Montag teria sido o de um homem que ao Diabo tentou ludibriar? Certamente. Acontece de o homem achar-se constantemente cheio de verdades – “claro que sou feliz” é uma delas - que por um golpe diabólico dissipam-se e precipitam o homem num mundo, agora, desestruturado, hostil e perigoso (a constatação de que tudo não tem sentido, importância, valor). Montag fala com demasiada confiança em sua felicidade. Acredita realmente na verdade dessa felicidade, que ela não é mera aparência. Cheio de respostas, cheio de verdades que o tranqüilizam, o acalmam, o domesticam: é tarefa do Diabo e de seus servos introduzir no homem a dúvida e a hesitação diante das verdades outrora evidentes e indubitáveis (eis o motivo pelo qual a filosofia só pode se apresentar como uma forma, talvez a mais radical, de heresia). Clarisse, portanto, desafia as verdades que sustentam o mundo de Montag; ela cumpre a tarefa diabólica, substitui o princípio de certeza pelo princípio de incerteza e introduz a dúvida no âmago do ser, a ponto mesmo de dilacerá-lo - Montag não se vê mais como bombeiro, como membro daquela comunidade; ele não suporta mais as pessoas e tortura-as (BRADBURY, 2009, pp. 144-7). Com mestria, Clarisse desestrutura seu mundo, embaralha os códigos e com isso suscita o pensamento.

      Segundo Deleuze “o erro da filosofia é pressupor em nós uma boa vontade de pensar, um desejo, um amor natural pela verdade” (DELEUZE, 2003, p. 14). Não é por amor pela verdade que Montag enfim decide ver o que há nos livros, como se bastasse uma “disposição natural” para que nele o desejo pela verdade dos livros fosse despertado. Montag só vai buscar a verdade dos livros após ter sofrido uma violência, a de Clarisse, a garota esquisita com a qual ele se encontra ao voltar para casa após o trabalho. São signos que o violentam e que o forçam a pensar, a buscar pelo verdadeiro, a aventurar-se no reino da verdade e do pensamento; são, finalmente, signos que o desassossegam e arrancam o pensamento do seu natural estupor. Só há, portanto, pensamento de um involuntário, isto é, só se pensa coagido, forçado. Sobre isso, diz Deleuze: “Nós só procuramos a verdade quando estamos determinados a fazê-lo em função de uma situação concreta, quando sofremos uma espécie de violência que nos leva a essa busca” (DELEUZE, 2003, p. 14). Quem procura a verdade? O homem que não mais se reconhece nas verdades que aviam-lhe sido impostas. Não é à toa que o encontro de Montag com Clarisse o perturba tanto, fazendo-o voltar para ela, pela lembrança, em momentos decisivos da história. Clarisse fora, para Montag, o estopim para uma revolução no pensamento, no modo de vida de Montag. A propósito disso, Bradbury declarará, no Posfácio do livro: “(...) foi ela, beirando a conversa boba de tietagem, a responsável por Montag começar a se perguntar sobre os livros e o que havia neles” (BRADBURY, 2009, p. 240).

      Amiúde, se as verdades de Montag não mais o satisfazem, dada a violência que o pusera a pensar nessas verdades, a pensar, finalmente, em si, naquilo que o cerca, então, faz-se necessário empreender uma busca da verité vraie, busca essa que levará Montag à ruptura radical com tudo aquilo de que ele fazia parte e o constituía essencialmente: emprego, esposa, sociedade, seu orgulho de ser bombeiro, seu prazer em queimar livros, amizades, pensamentos, aprovações e repugnâncias etc. Foi preciso que os signos, com sua crueldade, engendrassem pensar no pensamento e, assim, fizessem com que Montag abandonasse seu lugar de mero reprodutor de ideias prontas para tornar-se, efetivamente, um pensador, um crítico de si e de seu tempo. Todo aquele discurso sobre como os livros são perniciosos, falsos, irrisórios, já não faz para ele sentido. O sentido está na busca pela verdade dos livros. Busca não das verdades que supostamente estariam no conteúdo dos livros, mas das verdades acerca dos livros mesmos. Montag é arrastado para eles, por forças que o coagem, isto é, o impelem à leitura, à descoberta, ao desvendamento da verdade do livro. O que diz um livro? O que ele significa? Todo aquele discurso de Beatty (o capitão), sobre como os livros perturbam a tranquilidade das pessoas e que era função dos bombeiros manterem essa tranquilidade – “Eles receberam uma nova missão, a guarda de nossa paz de espírito” (BRADBURY, 2009, p. 89) -, provocava ainda mais o desejo de Montag de lê-los, de experimentá-los, uma vez que essa tranquilidade nunca lhe bastou de todo; daí, por exemplo, a sua enfermidade: a enfermidade dos sem-verdade, dos sem-comunidade, dos sem-identidade. É preciso insistir nesse ponto: tudo para ele não tem mais sentido, o sentido está só, e somente só, nos livros, na cultura dos livros, na vida outra dos livros. 

       Compreende-se agora o porquê de afirmarmos que o singelo livro de Bradbury contribui para uma filosofia da Diferença. Montag experimenta, na dor do desprendimento, na morte que é, afinal, consequência de toda individuação (vemos isso no caso de Dionísio), e na alegria da descoberta dos livros, o pensamento sem imagem do qual falava Deleuze. As angustias, os medos e os pavores de Montag são as angustias, os medos e os pavores de um tal pensamento sem imagem, de um tal mergulho num mundo onde a representação não opera mais. Se Deleuze, em tom claramente provocador, dizia que a literatura compreendia a realidade do delírio melhor do que a psicanálise, então, dizemos nós que a literatura compreende melhor a Diferença. A Diferença ocupou, na filosofia, tão-somente um lugar negativo, de subjugação (caso do platonismo) ou de impossibilidade (caso do infinito cartesiano).  

Signos e sensibilidade

      Do mesmo modo que Fahrenheit 451 contribui para uma crítica da representação, ele contribui, igualmente, para uma teoria do signo, que Deleuze buscará fundar a partir da leitura da volumosa obra La recherche du temps perdu, do escritor francês Marcel Proust. Veremos, por exemplo, como Montag é, tal como os personagens de Proust, um “egiptólogo”, isto é, um intérprete de signos; veremos também como Montag participa de um sistema de signos específicos e como ele é deslocado em relação a esse sistema. Tanto em Bradbury quanto em Deleuze o que está em jogo é uma teoria dos signos. Cabe agora compreendermos o sentido do signo, a função que ele ocupa no aprendizado e na evolução da personagem. Clarisse só faz com que Montag pense sobre os livros à medida que ela emite signos que o violentam e o constrangem. Montag é sensível – ou torna-se sensível - aos signos de Clarisse, abrindo-se, a partir desse encontro que o obriga a pensar, a outros signos que não mais pertencem ao sistema de signos que lhe corresponde.

      Falamos de sensibilidade, de signos, e da relação entre essas duas coisas. Não se trata, é certo, de mero jogo vazio de palavras, nem de licença poética, o que inevitavelmente nos lançaria ao jogo sujo da metáfora (coisa que Deleuze repudiaria). O signo exige, de fato, uma sensibilidade capaz de aprendê-lo (eis o verdadeiro significado da vocação, que nada mais é do que uma predestinação em relação aos signos), isto é, que o interprete. Diz Deleuze: “todo ato de aprender é uma interpretação de signos ou hieróglifos” (DELEUZE, 2003, p. 4). A princípio, a sensibilidade de Montag está voltada para o mundo dos bombeiros que queimam livros e das pessoas que odeiam livros. Falar-se-á numa “sensibilidade conservadora”, no sentido de que ela admite apenas aquilo que está nesse mundo, recusando, a priori, todo o resto. Isso significa que a sensibilidade aprende certos signos e não aprende outros. Quais são os signos aos quais Montag é sensível? São os seguintes: os signos da Lei (“é proibido ler livros”, “ler livros é um crime” etc.), os signos dos bombeiros (a Salamandra, o Sabujo, Beatty, encarnando todos os signos perversos da autoridade), os signos do fogo devorando os livros e as casas e/ou bibliotecas que eles queimavam (BRADBURY, 2009, p. 15), o querosene que impregnava seu corpo – “- Querosene – disse ele, porque o silêncio se prolongava – não passa de perfume para mim” (BRADBURY, 2009, p. 19). O mundo de Montag é o mundo da ordem estabelecida, dos clichês, das palavras de ordem, da interdição, da severidade, do esvaziamento de si etc.

      Diz Blanchot sobre a experiência artística: “Ouvir música faz daquele que só sente prazer em ouvi-la um músico, e o mesmo se pode dizer de quem gosta de ver um quadro. A música, a pintura, são mundos em que se penetra aquele que possui a chave para eles. Essa chave seria o “dom” (...). É preciso ser dotado para ver e para ouvir” (BLANCHOT, 1987, p. 191). Montag dispunha da “chave” para tornar-se sensível aos signos de um mundo que não era o seu, mas o de um Outro que ele, em seu devir, teria que “tornar-se”? Clarisse aparece como o Fora desse domínio comum onde os signos familiares a Montag se organizam; ela – compreendida como objeto emissor de signos e não como subjetividade identitária fechada sobre si mesma - é a “chave” de que fala Blanchot – ou a linha de fuga, como falaria Deleuze -, isto é, ela propicia a abertura para esse Fora ainda mais radical, que Montag experimentará só no final de sua aventura, quando reunido como os Homens-livro que habitam a velha ferrovia, dá-se conta de que não pertence mais àquele mundo que lhe era, outrora, familiar e aprazível. Conclui-se, então, que no aprendizado dos signos, é como na experiência artística: há sempre uma sensibilidade capaz ou não de interpretar os signos de um certo mundo onde esses signos reúnem-se e formam, justamente, a especificidade desse mundo.

      “É preciso ser dotado para ver e ouvir”, diz Blanchot, e não se poderá dizer que Montag não o era. Já há um ano ele vinha acumulando livros em sua casa, embora ainda não tivesse adquirido a coragem para lê-los. Montag possuía a vocação para os livros, isto é, ele era sensível a eles, não conseguia ser indiferente, vê-los queimar, regozijar-se e apenas seguir em frente (quando Montag encontra Clarisse pela primeira vez e se gaba por queimar livros, isso não passa de exibicionismo, algo que não se deve considerar, a não ser que seja para mostrar como Montag mentia a si mesmo). Montag distinguia-se dos outros bombeiros, e Clarisse percebera isso muito bem:
Você não é como os outros. Eu vi alguns; eu sei. Quando eu falo, você olha para mim. Ontem à noite, quando eu disse uma coisa sobre a Lua, você olhou para a Lua. Os outros nunca fariam isso. Os outros continuariam andando e me deixariam falando sozinha. Ou me ameaçariam.” (BRADBURY, 2009, p. 42).
      Montag quis apreender os signos da Lua, por isso a contemplou quando Clarisse referiu-se a ela na primeira conversa que tiveram. Já os outros bombeiros, por serem destituídos dessa sensibilidade, permaneceriam indiferentes à Lua. Deleuze ensina-nos que só se pode ser bom em algo, ter domínio sobre algo, se se é sensível aos signos emitidos por esse algo. Só se é marceneiro tornando-se sensível aos signos da madeira; e só se é um leitor tornando-se sensível aos signos do livro. E é possível, ainda, que se seja mestre na interpretação de certos signos, e absolutamente inepto na decifração de outros: “pode-se ser muito hábil em decifrar signos de uma especialidade, mas continuar idiota em tudo o mais, como o caso de Cottard, grande clínico” (DELEUZE, 2003, pp. 4-5). É o caso dos bombeiros, num certo sentido, e de Montag, noutro, uma vez que Montag, diferentemente de seus colegas, é dotado de uma sensibilidade especial, aberta para os livros: os outros bombeiros não compreenderiam Clarisse. Montag, ele mesmo, não a compreende. Acontece que ele está ainda aprendendo. A aventura de Montag é a aventura de um aprendiz. Ele está aprendendo os signos das coisas, e por isso Clarisse foi para ele tão fundamental. 
      Dois momentos são cruciais nesse processo de aprendizado[3]: os dois diálogos que o protagonista trava com Clarisse. Guardemos o seguinte: Clarisse quer mostrar para Montag o quanto as pessoas são insensíveis em relação aos signos do mundo. Ela diz, numa fala ao mesmo tempo virulenta, bela e delicada:
“- Às vezes acho que os motoristas não sabem o que é grama, ou flores, porque nunca param para observá-las – disse ela. – Se a gente mostrar uma mancha verde a um motorista, ele dirá: “Ah, sim! Isso é grama!”. Uma mancha cor-de-rosa? É um roseiral! Manchas brancas são casas. Manchas marrons são vacas.” (BRADBURY, 2009, p. 22).
      Montag, aí, não é diferente dos motoristas aos quais Clarisse se refere. O início da fala de Clarisse é-nos revelador: “(...) acho que os motoristas não sabem (...)”. Com efeito, eles não sabem o que é uma flor ou uma grama, pois são indiferentes aos signos emitidos pela flor e pela grama[4]. Ser sensível a algo é condição necessária para se aprender o que quer que seja sobre esse algo. Quem nunca contemplou um quadro e nada dele reteve, como se ele nada dissesse? Montag não sabia que a grama ficava coberta de orvalho durante a manhã (BRADBURY, 2009, p. 23). Isso irritou-o. É certo que lemos que Montag não sabia se sabia ou não, mas isso é só um modo de falar. Ele jamais poderia sabê-lo, pois nunca foi tocado pelo orvalho. Foi preciso que Clarisse lhe falasse sobre o orvalho da manhã para que ele então começasse a pensar nele. Antes disso, sequer havia orvalho, ou seja, o orvalho não ocupava espaço no pensamento, no mundo extremamente reduzido, de Montag (não se conhece o que está fora do pensamento).
      A cena mais bela do livro é aquela em que Montag, após despedir-se de Clarisse – a jovem necessitava ir a uma consulta com o seu psiquiatra - decide experimentar a chuva. Ora, aquilo que supostamente seria tão só uma conversa piegas de um autor sentimental – uma conversa sobre a chuva, afinal, quem liga para isso? Quem escreve sobre isso? – revela-se extremamente significativo para a nossa exposição e para a estrutura elementar do livro. Montag vê Clarisse com a cabeça para trás e com a boca aberta, como uma louca, saboreando o gosto da chuva que os banhava naquele momento (ela não receava molhar-se ou gripar-se). A partir daí, segue-se um diálogo decisivo para a metamorfose de Montag. A flor dente-de-leão, por exemplo, terá a função de revelar à Montag algo de fundamental. Dar-se-á ele conta de mais uma das muitas fábulas que compunham a sua vida: a fábula que era o seu casamento, o seu amor (BRADBURY, 2009, p. 69). Quando a menina parte - após deixar o nosso herói ainda mais transtornado - e ele, por sua vez, segue o seu caminho, vemos o gesto mais singelo, mas também o mais grave: ele inclina, lentamente, a cabeça para trás, abre a boca e sente, pela primeira vez, a chuva (BRADBURY, 2009, p. 42). Ao tornar-se sensível aos signos da chuva, pois antes ele não via como poderia experimentá-la senão do modo habitual, isto é, como mero fenômeno natural desprovido de um sentido diferenciado, Montag “aprende” a chuva. Ele nunca a havia experimentado, e, impulsionado pelo semelhante gesto de Clarisse, decide, enfim, experimentá-la. É um momento de grande liberdade e de grande alegria. Parece pouco, mas não é: Montag pela primeira vez faz algo de espontâneo, sem questionar-se sobre a validade, a relevância, o sentido de sua ação, como se tratasse de algo inerente a ele, algo que lhe fosse comum: sentir a chuva já não lhe é mais estranho ou até mesmo idiota. Outra vez Montag é retirado da monotonia do mesmo, da sua profunda alienação.
      O que dizer das outras personagens que participam da história? Mildred, por exemplo? Poder-se-ia afirmar sobre Mildred o mesmo que se afirmou até aqui sobre Montag? Essa personagem poderia ser ela mesma pensada sob o prisma de uma teoria dos signos, de modo a contribuir para a corroboração dela? Parece-nos que sim. Vejamos como. Dir-se-ia que Mildred, ao contrário de Montag, exprime a inépcia na interpretação dos signos, daqueles signos que não participam do mundo no qual Mildred está inserida. Mildred é sensível, e isso o texto evidencia conforme avançamos nele, tão-somente aos signos emitidos pelos três telões (as TV’s do futuro) e pelas conchas que não saíam, sequer quando ela dormia, de seus ouvidos, uma “sensibilidade técnica”. Mildred não ouve Montag quando ele tenta (exemplo disso é a cena do café da manhã, logo após Mildred ter sofrido uma overdose de remédios) falar com ela; as conchas a impedem de ouvi-lo senão por meio de leitura labial, meio que aparece apenas como símbolo da impossibilidade de um diálogo entre os dois. Quando Montag, outra vez, tenta falar com Mildred, agora para desabafar sobre sua experiência traumática com a velha que havia preferido ser queimada com seus livros, e, por último, quando ele, desesperado e esperando o apoio de Mildred, revela que havia, durante um ano, guardado livros em sua casa e que gostaria de com ela lê-los a fim de verificar se tudo aquilo que Beatty falava acerca dos livros era verdade. Mildred não o vê, não o ouve, não o sente, e, inevitável conclusão, não o ama. Mildred só dá ouvidos à “família”, isto é, àquelas pessoas desconhecidas com as quais ela falava por intermédio dos telões e que Montag passou a detestar, justamente pelo fato de se tratar de pessoas desconhecidas, com as quais se travava diálogos enfadonhos e vazios - pura tagarelice sem sentido. Montag dá-se conta de que vivera durante dez anos com uma estranha, que seu casamento nada mais era do que uma farsa grotesca e que eles jamais haviam construído algo juntos. O que Mildred passa a representar para Montag? Passa a representar o vazio e a frieza desse vazio. Portanto, Mildred não escapa de uma interpretação que privilegia uma teoria dos signos, pelo contrário, ela aparece como mais um dos muitos elementos que corroboram tal tese.
       Acreditamos ter fornecido elementos suficientes para a fundamentação de uma leitura “à francesa” do livro de Bradbury. É certo, porém, que tal leitura só fora possível à medida que dispensamos uma certa ideia de livro, a saber, a ideia de que na leitura de um livro, aquilo com o que nos deparamos, na superfície das linhas, no entremeio delas e mesmo por detrás delas, é a verdade essencial do livro, verdade da qual o livro retira o seu sentido, que é, sempre, um “sentido último”. Apostamos, ao contrário, numa leitura que faz valer a dica deleuzeana: ler um livro pondo-o em relação com sua exterioridade. Aí, a leitura adquire um novo sentido: operar cortes/fluxos que não só atravessam o livro de lá para cá, em velocidades as mais diversas e que lhe dão uma coloração nova, tons inimagináveis, como também o conectam com séries maquínicas outras, que lhe fazem dizer, assim, algo de novo. Eis a originalidade que só é possível quando a leitura se abre para o Fora do livro. Esperamos, com isso, que nossa leitura tenha proporcionado ao leitor uma nova visão, um novo jeito de pensar. Esse foi o nosso objetivo. Que é o de toda literatura por vir: uma leitura que faz nascer o novo.    

Referências bibliográficas:

BLANCHOT, M. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.
BRADBURY, R. Fahrenheit 451:a temperatura na qual o papel do livro pega fogo e queima . São Paulo: Globo, 2009 (Coleção Globo de Bolso).       
DELEUZE, G. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 2ª edição, 2006.
____________. Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2ª edição, 2003.
         



[1] Não se entrará no mérito da questão “Que quer dizer máquina?”. Muito embora a noção de máquina seja uma noção cara à filosofia deleuzeana, tanto que encontrará desdobramentos significativos (como, por exemplo, “maquínico”), acredito ser possível passar sem uma exposição do seu significado, exercício que nos custaria tempo e ainda nos desviaria do propósito do texto. Mas darei aqui uma dica para quem quiser, por conta própria, buscar o seu significado. Em Kafka, por uma literatura menor, o termo máquina é recorrente. Falar-se-á, por exemplo, na máquina burocrática que Kafka opera admiravelmente em conjunto com uma máquina literária, sobretudo em O processo. O mesmo termo aparecerá quando Deleuze for explicar as cartas de Kafka. Outro caso é o uso da palavra “máquina” no O anti-édipo, obra que se coloca como uma crítica à psicanálise e como um programa para uma nova “disciplina” – a esquizoanálise -, onde o termo “máquina” terá um papel fundamental no desenvolvimento de uma nova teoria do inconsciente.   
[2] Poder-se-á ainda falar, como se pôde ver, noutras máquinas. Ouso dizer que Bradbury opera, ainda, uma máquina de outro tipo, não apenas literária, uma máquina tecnológica sem a qual sua literatura seria apenas um livro, como outro qualquer, de ficção e por isso não seria possível utilizá-la como intercessor.
[3] É interessante notar como se dá as conversas entre Clarisse e Montag. A menina tenta mostrar a Montag coisas que ele não via e que, portanto, ele não conhecia. A Lua é um exemplo. No decorrer da conversa, notaremos também que Clarisse chega a um ponto em que revela saber mais do que Montag. Montag, ali, embora mais velho, é absurdamente inferior à Clarisse em termos de decifração das coisas. Veremos isso a respeito da flor que Clarisse mostrará ao herói, a respeito da chuva e do orvalho. Ela fornece-nos elementos que sugerem que Montag, aí, é um aprendiz; ele ocupa o lugar de alguém que efetivamente não sabe, isto é, que não interpreta o mundo a sua volta. 
[4] Agora entramos num ponto que aparecerá, aqui e ali, na vasta bibliografia de Deleuze e do qual não podemos escapar: o conhecimento não é um reconhecimento. Não basta reconhecer uma flor como flor para conhecê-la. Os motoristas certamente saberiam dizer “isso é uma flor”, se uma flor lhes fosse apresentada, mas isso não basta. Até aí, nenhum esforço no sentido de uma decifração dos signos foi feito, e, portanto, a flor não fora efetivamente conhecida. Aplicar a representação da flor ao seu respectivo conceito, por meio de uma atividade do entendimento, tal como proporia Kant, não basta para falarmos de um conhecimento efetivo da coisa; faz-se preciso ir além da simples síntese entre conceito e representação. O que não significa, que fique claro, que tal operação não é necessária. 

Fonte da imagem: palavroeiro.wordpress.com

Vídeo: O conhecimento como o maior dos afetos (Um mundo onde conhecer é criar e afetar-se melhor), por André Martins

multiplicidades

ninguém é deus,
e deus não é ninguém
a vida acontece para todos os lados
a inconstância nos faz distantes e,
ao mesmo tempo,
nos sintoniza
não como algo certo ou errado
mas como fonte de multiplicidades
que estão 
muito acima do bem e do mal.


Tânia Marques  03/05/2012

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O mais profundo é a pele, diz Valery

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Um afeto tão delicado...

Passo várias vezes por você. Encontros circunstanciais: eu a cumprimento, trocamos uma ou outra palavra. Nada mais. Isso dura. Há o fato de freqüentarmos o mesmo espaço, de nosso tempo, às vezes, coincidir. Chegamos a ficar lado a lado uma ou outra vez, cada um ocupado com as próprias ações.
Como isso se altera? É difícil precisar o momento. Um encontro fora das referências cotidianas. Um momento em que estamos menos absortos. Não importa. Um dia trocamos palavras um pouco mais prolongadamente, nos olhamos um pouco mais demoradamente. Há até um sorriso mais extenso, a um comentário que parte de um dos dois. Uma proximidade que permite uma apreensão mais fina de nossos contornos. Alguns dizeres que se encontram com outros dizeres, que remetem a uma outra referência. Talvez uma coincidência de gosto, tal música, tal filme, tal texto lido com uma mesma intensidade.
O que sei: nesse momento, não localizável precisamente, um rosto se desenha em meu espírito. Um rosto que, quando a encontro, reconheço nas suas linhas ainda tênues como ocupado por uma inespecífica familiaridade. Algum brilho que não sei de onde se manifesta. Um viço, um prazer, uma alegria atravessando esses momentos em que o rosto torna-se presente.

O dizível talvez só seja significável como uma diferença. Não posso dizer que o amor (o que chamamos de) começa aí, como somatória de gestos que fazem com que depositemos, um no outro, um certo sentido de felicidade. Uma certeza. Um charme. Pois nada me autoriza dizer que isso resulta de uma somatória, que se compõe desses vários encontros tomados na sua seqüência, como se a familiaridade e o reconhecimento fossem efeito de uma cena que, por se repetir, permite uma proximidade "natural" (embora seja assim que muitas vezes se rememora um "conhecimento": como algo que progride). O que tenho: um "eis aí".
Gestos compõem linhas e planos num fora, desenham a geografia de um corpo que, por se desenhar desses gestos, reconheço como singular. Mais: essa geografia se desenha sobre um corpo que até então não significava isso, enquanto alguma coisa capaz de me mover, e ganha sentido à medida que meus gestos, indo na sua direção, o apreendem e lhe dão e (ao mesmo tempo) lhe descobrem a forma. Isso é simultâneo. O acontecimento abre um devir.
Algo que se realiza fora, entre. Um plano de consistência. Uma vibração. Aí, os corpos: superfícies de reverberação.

Um laço tão íntimo...

Não posso ainda dizer: você é única. Nem você, nesse momento em que estamos próximos, pode me dizer, você é único. Ao contrário, somos muitos. Mas basta que nos olhemos e, iludidos na vã promessa, comecemos a nos dizer a única, o único, para que nossos corpos percam sua superfície, para que nossos olhos simulem mais além. E quando a encontro, não a olho no seu movimento de chegar, eu a busco antes, na minha espera, na possibilidade de você não vir, esse sempre possível desencanto. Quando a encontro, não a olho mais. Eu a vejo antes, faço de você a mesma, busco fazê-la coincidir com meu olhar. No que você me falta.
Começo a chamar isso de amor. E a esperar que você chame isso de amor. O que acontece.
Tudo parece bom. Tudo parece certo. Um estado feliz que se prolonga. Chamo de tremor o que um dia atravessou meu corpo, iluminando-o de não sei quê. Insisto em chamar de incerteza o que me tomava como um vento indiscernível. Pouco mais que uma brisa. Ou menos...
É quando percebo: esse vento, não o sinto mais. Mas insisto: eu o troquei por algo mais profundo, por essa possibilidade de olhá-la e conhecê-la nos mínimos gestos, de antecipar-lhe as respostas, e pelos olhares cifrados que aprendemos a trocar. Tão íntimos... E isso não me alegra.
Fazemos de nossa fala a contínua evocação do momento em que ainda éramos estranhos. Nos acostumamos a rir, gozosos, do que escolhemos chamar de primeiras vacilações. E criamos histórias, inventando um tempo possível em que eu a olhava sem saber como chegar, e de você que esperava isso... Ou o contrário, tanto faz. São histórias de embalar desejos e construir o tempo.
Às vezes trocamos fantasias. Brincamos que somos estranhos, que estamos nos conhecendo agora, e você me olha dissimulada, eu brinco de macho pronto para o ataque, você de fêmea em fuga. A brincadeira dura, se prolonga, sabemos onde ela irá terminar.
Às vezes brigamos. Invocamos a memória, construímos nossas falas sobre faltas e deveres.
Às vezes ficamos quietos. Nem um nem outro está ali. Nem um nem outro pergunta onde está. Não estar basta.
Demoro nas ruas. Você também. Nada acontece. Alguns rostos se desenham aqui e ali. Mas desaparecem. Às vezes é uma leve brisa, que me faz, sem pensar, puxar um pouco o casaco, evitando olhar à volta. Apresso-me, compro flores, estou sempre em cansado retorno.

Um amor tão profundo...

Estamos sentados a uma mesa, você absorta em suas questões, eu nas minhas. Quase não nos olhamos, quase não falamos. Peço desculpas se algum ruído que eu faça a perturba. Desculpas que vêm quase por dever.
Um dia, talvez aconteça que, nesse estar distantes na proximidade, nos incomodemos além dos estares cotidianos. Pode ser que um de nós se dirija à janela, encontre a cidade reduzida a puros pontos luminosos e, sem dizer nada, recue até a porta, abrindo-a devagar e silenciosamente. E parta, mesmo que por um quase imperceptível afeto. Será um começo.

Valter A. Rodrigues

O homem-árvore, de Antonin Artaud

(Carta a Pierre Loeb)


Antonin Artaud

O tempo em que o homem era uma árvore sem órgãos nem função,
mas de vontade
e árvore de vontade que anda,
voltará.
Existiu, e voltará.
Porque a grande mentira foi fazer do homem um organismo,
ingestão, assimilação,
incubação, excreção,
o que existia criou toda uma ordem de funções latentes e que escapam
ao domínio da vontade decisora,
a vontade que em cada instante decide de si;
porque assim era a árvore humana que anda,
uma vontade que decide a cada instante de si,
sem funções ocultas, subjacentes, que o inconsciente rege.
Do que somos e queremos na verdade pouco resta,
um pó ínfimo sobrenada, e o resto, Pierre Loeb, o que é?
Um organismo de engolir, pesado na sua carne,
e que defeca e em cujo campo,
como um irisado distante,
um arco-íris de reconciliação com deus,
sobrenadam,
nadam os átomos perdidos,
as idéias, acidentes e acasos no total de um corpo inteiro.
Quem foi Baudelaire?
Quem foram Edgar Poe, Nietzsche, Gérard de Nerval?
Corpos que comeram, digeriram, dormiram,
ressonaram uma vez por noite,
cagaram entre 25 e 30 000 vezes,
e em face de 30 ou 40 000 refeições,
40 mil sonos, 40 mil roncos,
40 mil bocas acres e azedas ao despertar,
tem cada qual de apresentar 50 poemas,
o que realmente não é demais,
e o equilíbrio entre a produção mágica e a produção automática
está muito longe de ser mantido,
está todo ele desfeito,
mas a realidade humana, Pierre Loeb, não é isto. [...]

...palavra

palavra escrita, palavra estranha, palavra pronunciada, palavra lúdica, palavra alada, palavra inventada, palavra cantada, palavra sentida...
Tânia Marques
24/04/2012

Escrileituras - Programa Observatório da Educação: Ciclo de conferências DIF


Le structuralisme de Roland Barthes - Jalons pour l'histoire du temps présent


 Clique no link acima para assisitir a entrevista com Roland Barthes

Né en 1915, Roland Barthes s'est imposé à partir des années 50 comme l'une des figures centrales du structuralisme, mouvement intellectuel qui affirme que tout phénomène se "structure" de manière signifiante. Ainsi Barthes montre-t-il dans Le Degré zéro de l'écriture (1953), dans la continuité de la linguistique élaborée par Ferdinand de Saussure pour qui la langue est un système cohérent à étudier de façon autonome, comment "l'écriture (est) condamnée à se signifier elle-même", considérant ainsi que l'étude des structures du langage littéraire (le style en particulier) permet de déterminer les significations du texte.
Dans Mythologies (1957), Barthes entreprend de lire quelques "mythes de la vie quotidienne moderne". Il y décrypte le "tissu de nos évidences" c'est-à-dire les "signes" qui incarnent le "Français moyen" des années 50. En analysant par exemple l'image de l'Abbé Pierre, le bifteck et les frites ou les combats de catch, Barthes déchiffre les significations cachées de ces "matériaux" comme autant de symboles ; banals en apparence, ceux-ci sont selon lui des productions historiques véhiculant des idées socialement conservatrices. Il formalise son approche au cours des années 60 en promouvant la sémiologie, "science qui étudierait la vie des signes au sein de la vie sociale". Si son ouverture d'esprit lui a fait aborder des objets aussi variés que le cinéma, la photographie, la mode ou la musique, il a accordé un intérêt constant à la littérature, renouvelant les approches de la critique littéraire.
Dans Sur Racine (1963), il ose une lecture psychanalytique qui suscite de vives réactions chez les professeurs de La Sorbonne, manifestant une révolte anti-académique commune à l'ensemble des "structuralistes" (Michel Foucault notamment) et parallèle aux nouvelles vagues contestataires de la vie artistique des années 60. Barthes effectue un tournant dans sa pensée à partir des années 70 où ses recherches l'amènent à remettre sur le devant la part subjective dans l'écriture (Roland Barthes par lui-même ).
Il récuse progressivement la tentation scientifique pour exalter le jouissance que le texte fait éprouver au lecteur, la "saveur" humaine devenant plus précieuse que le "savoir" même (Fragments d'un discours amoureux ). Il meurt prématurément en 1980 alors qu'il était depuis 4 ans professeur au Collège de France, marque de la consécration institutionnelle que connaît le structuralisme au cours des années 70.

Fonte:

O Anti-Édipo - Gilles Deleuze et Félix Guattari

 Il n'y a que du désir et du social, et rien d'autre.

Gilles Deleuze – Félix Guattari
L'Anti-Œdipe
Les éditions de Minuit (coll. « Critique »), Paris, 1972, 494 p.

 ****************************************************
En 1972, Gilles Deleuze et Félix Guattari publient L'Anti-Œdipe, attaque en règle contre la psychanalyse freudienne. Gilles Deleuze (1925-1995) enseigne alors la philosphie à l'université de Vincennes, où il a été appelé par Michel Foucault. Après avoir publié plusieurs ouvrages sur l'histoire de la philosophie, il s'impose par la suite comme un créateur de concepts en marge des courants de pensée de l'époque.
Félix Guattari (1930-1992), psychiatre, après avoir été un élève de Jacques Lacan, critique les concepts de la psychanalyse traditionnelle. Dans L'Anti-Œdipe, Deleuze et Guattari développent l'idée selon laquelle l'homme est une "machine désirante". Le désir ne peut être vu comme un manque mais comme une "puissance d'agir". Il est, selon eux, vain de vouloir comprendre par des théories psychanalytiques (notamment celle du complexe d'Oedipe) les fluxs mécaniques qui le parcourent. L'ouvrage fait débat tant sur le fond que sur la forme adoptée: style polémique, emploi de termes familiers… Ils poursuivent par la suite leur collaboration, en publiant en 1980 le tome 2 intitulé Mille plateaux.
Deleuze et Guattari s'engagent politiquement en luttant en faveur des minorités. Ils fondent en 1987 la revue Chimères et publient en 1991 Qu'est-ce-que la philosophie ?. Si Guattari défend ici son point de vue, Deleuze refuse d'apparaître à la télévision afin d'argumenter sur sa propre pensée et se donne la mort le 3 novembre 1995 pour échapper à la déchéance physique.

Fonte:

L'Anti-Oedipe' de Gilles Deleuze et Félix Guattari - Jalons pour l'histoire du temps présent

L'Anti-Oedipe' de Gilles Deleuze et Félix Guattari - Jalons pour l'histoire du temps présent
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